ENTREVISTA COM… MÁRIO ANTÓNIO DE OLIVEIRA RODRIGUES

04-06-2013 11:52

Diretor do Agrupamento de Escolas das Taipas

Licenciado em Engenharia Eletrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, o senhor diretor veio trabalhar para esta escola no ano letivo de 1984/85, tendo desempenhado vários cargos ao longo dos anos: Delegado de Matemática e Orientador de Estágio à Profissionalização, Vogal do Conselho Diretivo, Vice-Presidente do Conselho Diretivo, Presidente do Conselho Diretivo, Presidente do Conselho Executivo e do Conselho Pedagógico e, atualmente, é director do AVET. É professor titular pelo grupo 230 (Ciências da Natureza e Matemática do 2º ciclo).

O “setôr” Mário recebeu os pequenos repórteres aos quais concedeu a entrevista que se segue:

P.J. - Alguma vez pensou tornar-se professor? Sendo engenheiro, como é que veio parar ao ensino?

Fiz a minha formação académica na área da Engenharia Eletrotécnica e era aí que pensava exercer a minha profissão. Durante esse tempo nunca me passou pela cabeça a possibilidade de ser professor. Era algo que não equacionava. A partir de 1975, a descolonização e a consequente vinda de engenheiros das colónias com experiência profissional bloquearam a entrada no mercado de trabalho aos novos licenciados como eu. Depois de quase um ano a concorrer para vagas na área da Engenharia sem conseguir entrar, acabei por concorrer ao ensino e por aqui fiquei. Alguns anos mais tarde e, após ter feito a profissionalização no ensino, tive oportunidade de exercer a profissão de Engenheiro, mas a paixão pela Escola e pelos alunos já era grande e deixei-me ficar. Continuo a pensar que fiz bem.

P.J. - O que é que o setôr lecionou?

Lecionei várias disciplinas. Disciplinas da área da eletricidade na Escola Secundária Carlos Amarante em Braga, Geografia numa Escola do Alentejo e, nos restantes anos, Matemática e Ciências da Natureza, primeiro na Escola João de Meira, em Guimarães, e a partir do ano letivo 84/85 nesta Escola .

P.J. - Gostava mais de dar aulas ou gosta mais de ser diretor?

Sinto-me bem em ambos os papéis. Dar aulas é uma atividade aliciante quer pela satisfação de ver os resultados na aprendizagem dos alunos, quer pela diversidade de situações vividas e solicitações a que o professor é sujeito em cada turma e que tornam o seu trabalho um trabalho diferente a cada dia e a cada hora. Nunca é um trabalho rotineiro.

Ser diretor é um desafio diário e uma grande responsabilidade que partilho com os meus colegas da direção e que me permite conhecer e intervir noutros aspetos importantes da vida da escola.

P.J. - Que pensa do ensino em Portugal?

Sempre, ao longo destes mais de 30 anos de ensino, ouvi dizer que “o ensino estava em crise”, que “dantes é que era bom” e que “hoje os alunos não aprendem nada”. Não comungo desta ideia. Penso que, em diferentes domínios, os alunos fazem hoje mais e melhores aprendizagens e têm acesso a mais e melhores recursos. Basta referir por exemplo as aprendizagens nas áreas da informática, ecologia, saúde, segurança,… que há alguns anos atrás não faziam parte das preocupações das escolas. O que se aprende e como se aprende está contextualizado à época em que se faz. Comparativamente a outros países, Portugal, quer nas aprendizagens quer nos recursos, não está seguramente atrás.

P.J. - Que pensa dos professores? Acha que as greves e as manifestações do ano passado foram justificadas?

Os professores são simultaneamente o elo mais forte e o elo mais fraco da educação. O mais forte, porque são os professores os agentes educativos por excelência, sendo os principais responsáveis pelo processo educativo das crianças e jovens. São o elo mais fraco, pois é sobre os professores que recaem todas as críticas dos pais, da comunicação social e até da administração, quando algo corre mal na escola.

O que se disse atrás, da pressão social sobre a escola, quer das famílias quer dos media, levaram, particularmente a partir de 2001, os governos e os ministros da educação a constantes alterações, nomeadamente nos currículos dos alunos, na organização das escolas e na carreira dos docentes. Nem sempre os agentes no terreno, que melhor conhecem a realidade, foram ouvidos ou, se o foram, não foram tidas em conta as suas opiniões. Estas múltiplas mudanças foram provocando algum desgaste, algum descontentamento e até alguma angústia entre os docentes. O estatuto da carreira docente e o modelo de avaliação foram como que as gotas que fizeram transbordar o “copo” da paciência dos professores. Este governo acabou por dar razão aos protestos, pois estão na forja algumas das alterações ao estatuto e ao modelo de avaliação que os professores reivindicavam e pelas quais se manifestaram e fizeram greve.

P.J. - Na sua opinião, que características deve ter um professor?

O professor tem de ter uma multiplicidade de características pois desempenha, simultaneamente, um conjunto de papéis: tem de ensinar, a sua tarefa mais nobre, tem de ser psicólogo para entender comportamentos e atitudes, tem de ser pai e amigo para saber ouvir e aconselhar, tem de ser assistente social que ajude a despistar e resolver situações de maior fragilidade familiar.

O professor é responsável pela formação integral das crianças e jovens, seja a formação académica, a formação moral, a formação intelectual, a formação cultural e a formação cívica.

O professor tem ainda de ser capaz, diariamente, de “inventar” estratégias potenciadoras de uma relação professor-aluno que seja estimulante da aprendizagem, permitindo o pleno desenvolvimento das capacidades dos alunos aos diversos níveis.

O professor tem de ser exigente e assertivo, mas, simultaneamente, dialogante.

P.J. - Que opinião tem acerca dos alunos de hoje? Acha que os alunos do seu tempo eram melhores?

Os alunos de hoje são, como é natural, diferente dos alunos do meu tempo. Como se aprende e o que se aprende também mudou. Fazem aprendizagens mais diversificadas: saúde, ambiente, segurança,…e utilizam recursos como, por exemplo, a Internet que lhes permitem complementar as aprendizagens da sala de aula. Os tempos também são muito diferentes. No meu tempo, a escola era obrigatória apenas até ao 4ºano, sendo poucos os que prosseguiam estudos. Hoje, é obrigatória até ao 9ºano e, para os alunos que frequentam neste ano letivo o 7ºano, já vai ser obrigatória até ao 12º. Ainda bem que hoje a escola é para todos. Mas “não há bela sem senão”. O ser para todos obriga a escola a diversificar a oferta educativa de modo a ir ao encontro dos interesses de todos. Isso nem sempre é possível e leva a que alguns alunos frequentem a escola, mas não estejam motivados para a aprendizagem. A escola não lhes diz nada. Esses alunos, felizmente em número reduzido, acabam por ter comportamentos disruptivos que afetam toda a organização escolar incluindo as aprendizagens dos outros.

P.J. - O que é o Projeto Fénix?

O Projeto Fénix foi um projeto em que a escola se envolveu este ano com vista a superar as dificuldades dos alunos a Língua Portuguesa e a Matemática. Só vai funcionar com os do 2º ciclo. Neste ciclo, das oito turmas existentes, em quatro reuniram-se os alunos que não tinham dificuldades. Nas outras, duas do turno da manhã e duas do turno da tarde, juntaram-se os alunos que tinham dificuldades a outros com aprendizagem normal ou muito boa. De manhã e de tarde, as duas turmas envolvidas têm Língua Portuguesa à mesma hora, o que permite que de cada uma dessas turmas possam sair os alunos mais fracos que se vão reunir num “ninho” com um outro professor, saindo ainda aqueles que também experimentam outras dificuldades para um outro “ninho” que também tem um professor. Desta forma, temos três professores a lecionar cada uma das turmas, o que vai permitir um trabalho muito mais próximo e individualizado com os alunos, conseguindo que estes, em pouco tempo e com um apoio mais direto, consigam superar as suas dificuldades e regressar à sua turma de origem. Quer isto dizer que, ao longo do ano, os alunos das 4 turmas envolvidas poderão estar na turma de origem ou em qualquer dos ninhos. Entenderam? É uma experiência, mas estamos com esperança de que dê resultado.

P.J. - Diz-se que há muita indisciplina na escola. Concorda com esta afirmação? Como é que se pode combater a indisciplina?

Na questão anterior já abordámos esse aspeto. O fenómeno da indisciplina tem vindo a aumentar de ano para ano, aparecendo hoje em níveis de escolaridade cada vez mais baixos. O 1º ciclo começa já a ter problemas que eram impensáveis há alguns anos atrás. O combate à indisciplina tem de ser feito com a colaboração de todos os intervenientes interessados na Escola. Desde logo as famílias que têm de ser mais responsabilizadas pelos comportamentos dos seus filhos, como já acontece noutros países onde os pais chegam a ser multados. Os professores têm de ser mais assertivos e menos contemporizadores com comportamentos inadequados. O mesmo se aplica aos funcionários. Os alunos têm um papel muito importante nesta matéria, pois acabam por ser os mais penalizados com a indisciplina, não fazendo as aprendizagens qualitativas que podiam fazer. Criámos, neste ano letivo, um gabinete disciplinar, constituído por alunos (5), pais(1), docentes(3) e não docentes(1) que analisa as situações de maior gravidade e propõe as penas a aplicar. O envolvimento dos alunos nas diferentes estruturas, no gabinete disciplinar, na assembleia de delegados de turma, na associação de estudantes e nos diferentes projetos da escola visa criar neles uma responsabilização e uma identidade com a escola que seja promotora e potenciadora de comportamentos adequados e que estes alunos possam, junto dos seus pares, ser portadores de exemplos positivos a seguir.

P.J. - Se fosse Ministro da Educação e pudesse mudar alguma coisa na educação, o que mudava?

Mudava a estrutura curricular nos 2º e 3ºciclos. Há muitas disciplinas e a carga horária é muito grande. Os alunos deveriam ter as aulas curriculares na parte da manhã, ficando a tarde reservada para atividade de enriquecimento nas áreas da expressão dramática, musical, artística, desportiva, ambiental,…ou outra.

Permitia também fazerem com mais tempo os trabalhos escolares e terem mais tempo para o convívio familiar.

P.J. - Profissionalmente, sente-se realizado?

Nós somos, por norma, mais exigentes connosco que com os outros e somos eternos insatisfeitos. Queremos sempre fazer mais e melhor. Há dias, felizmente poucos, em que sentimos mais o peso das responsabilidades assumidas e em que as coisas correm menos bem e aí sentimos alguma frustração connosco. Tirando esses lapsos de tempo que penso são comuns a qualquer mortal, sinto-me bem, satisfeito e realizado com o meu trabalho.

Entrevista conduzida pelos Pequenos Jornalistas em setembro de 2009